O inglês amargo
Naquela velha fazenda no interior, vivia um velho homem inglês que desembarcou aqui, de mala e cuia, para passar o resto da sua vida em solo tupiniquim.
Aquele velho lord dizia amar tudo que o Brasil oferecia: o clima, a hospitalidade, as paisagens, os sabores e tudo mais o que os sentidos humanos poderiam desfrutar
Na mala daquele longínquo viajante, vieram apenas algumas bugigangas e poucas vestes. Nada de família, nada de amigos.
De todos os hábitos ingleses incrustados naquele velho e solitário homem, o que mais lhe fazia juz era sua pontualidade britânica, ao apreciar em todo pôr do sol um belo copo suado de uma Bitter inglesa. Cerveja essa que vinha religiosamente todo mês através de um carregamento de importação.
Ele dizia: -“Oh God! Não há nada como o sabor da nossa terra”.
Apesar de vir desfrutar das nossas riquezas, o esnobe inglês não gostava muito de dividir as suas. Fato descoberto por uma dupla de Timboos que também habitavam aquelas bandas.
Em um dia daqueles em que o sol castiga o lombo, os dois gambás avistaram no parapeito da varanda um copo meio vazio e uma garrafa meio cheia. Logo ao lado, na cadeira de balanço, um velho adormecido.
– “Não podemos deixar essa cerveja esquentar”, disse um deles enquanto o outro já caminhava sorrateiramente em direção à Bitter inglesa.
Ao chegarem perto de experimentarem uma iguaria internacional jamais vista, o inglês acorda e troveja para todos os lados em sua língua nativa:
“Cheese Eating Surrender Monkeys! Malditos gambás! Deixem minha cerveja em paz!”
Desviando de sapatos, pedras e tudo o que não tem asas mas, naquela hora, passou a voar, os gambás conseguem fugir em direção à mata.
A partir daí, começava uma lendária rivalidade: The Old Man e os Timboos.
A cada pôr do sol uma nova epopeia: Os gambás tentavam beber aquelas cervejas e o velho proteger.
Entre cercas, armadilhas e espingardas, lá estavam os Timboos, com sua recém adquirida pontualidade inglesa, religiosamente, todo fim do dia.
Até que um dia, ao passar pelos limites da propriedade do esnobe inglês, eles avistaram uma garrafa vazia e, imediatamente, o mais esperto dos dois teve uma ideia:
“E se a gente conseguir todos os ingredientes que dizem que tem aqui e fizesse a nossa Bitter… “
O outro se empolga e completa “… aí a gente faz ela de um jeito que o velho irá beber em uma quantidade maior, disfarça o rótulo e, finalmente, quando ele apagar de vez a gente pega a DELE.”
No fim das contas a Bitter inglesa se tornara uma questão de honra.
A imbatível dupla sai à mata em busca dos insumos. Conversa daqui, pede um favor dali e, devagarzinho, eles vão completando a lista de ingredientes. Para que ela ficasse mais fácil de beber, eles adicionam, então, alguns ingredientes brazucas e esperam até que estivesse pronta para o consumo e voilá. Eis que nasce a Bitter dos Timboos.
Ao cair da tarde daquela tarde, os gambás chegam à varanda antes do velho e deixam por lá seus exemplares recém produzidos.
Tudo ia conforme o planejado e quando o alvo chega para apreciar seu ritual diário, nem percebe a armadilha já a postos. Agindo rotineiramente, ele senta em sua cadeira e se põe a beber.
Já na primeira golada, é perceptível que o copo não vai dar conta de tamanha sede. Aquele sol escaldante e o aroma frutado combinam mais que o tal “queijo e goiabada”.
Sem perceber, ele seca as garrafas que ali estavam, e conforme imaginado pelos gambás, o sono profundo chega e o resto do plano é posto em prática.
Os Timboos partem em direção à geladeira e conseguem sair com o seu tão sonhado troféu: a legítima Bitter Inglesa daquele velho ranzinza.
Ao chegarem em uma distância segura, eles finalmente conseguem experimentar o sabor da conquista.
A cada gole naquela bitter genuinamente inglesa, trazida por navios, a dupla de gambás começa a entender que a bitter feita por eles trazia a brasilidade que faltava à receita, que a original já não era mais tão cobiçada assim e que no fim das contas, o velho podia então ter finalmente seus momentos de paz sentado em sua varanda.
Ao acordar do pequeno porre, o velho encontra junto da garrafa vazia uma carta de trégua que dizia:
“Desculpe-nos por trocar a sua Bitter pela nossa. Prometemos nunca mais lhe importunar novamente. Cheers! Assinado: Os Timboos.”
Naquele momento em que descobriu que a cerveja que tomou com tamanho apreço foi produzida pelos gambás, o rabugento velho inglês percebeu que agora quem teria que fazer planos para roubar a cerveja no fim da tarde era ele.